Apontamentos

Um monte, três capelas

Conhecido, desde há muito, como Monte de Santo Estêvão, o nome primitivo deste lugar era Monte dos Fragões. 


O Monte dos Fragões terá sido, desde cedo, muito apreciado e frequentado. Afinal, as dificuldades nos acessos encaixavam-se nas adversidades do quotidiano. Ultrapassar caminhos difíceis funcionava como sinal de que não seria impossível triunfar sobre circunstâncias adversas. 


Aquelas alturas, deslumbrantes nos seus 607 metros, sempre ajudaram a elevar o pensamento — e a alma — até às alturas. Foi aí que Lamego viu surgir, no dizer de José António Marrana «uma capelinha branca, como pomba a esvoaçar no horizonte, mensageira de fé, esperança e amor». 


Dedicada a Santo Estevão, foi inaugurada a 15 de Agosto de 1361. Era Bispo D. Durando Lourenço. O Cónego Fernão Martins ficava autorizado a colher esmolas em toda a Diocese para a conservação da Capela e respectivo culto. 


Aos cónegos é pedido que ali passem a ir em procissão duas vezes por ano: uma no dia de Santo Estêvão, 26 de Dezembro, e outra no dia da «invenção» do corpo do Protomártir, a 3 de Agosto. 


Nessas procissões também deviam tomar parte os coreiros da Sé, os raçoeiros de Almacave e os frades de S. Francisco. Era a estes que incumbia a pregação. A Missa devia ser oferecida por alma de D. Durando, seus pais e demais obrigações. Para os encargos, o Bispo legava 12 libras anuais ao Cabido, quatro aos coreiros e 20 soldos a cada raçoeiro e frade. 


Entretanto, esta primeira Capela de Santo Estêvão entrou em ruínas dois séculos mais tarde, pelo que foi acabada de demolir a 6 de Novembro de 1564. E a 3 de Agosto de 1565, foi inaugurada uma segunda capela, sita no actual Largo dos Reis. 


Nessa capela, ainda dedicada ao Protomártir, já havia uma imagem de Nossa Senhora do Leite, trazida pelo Bispo D. Manuel de Noronha. Sucede que tal imagem (que se encontra no altar-mor do Santuário) sempre foi invocada como Nossa Senhora dos Remédios.
Não espanta, por isso, que, pouco tempo depois, a denominação oficial da nova Capela de Santo Estêvão tenha sido alterada para Capela de Nossa Senhora dos Remédios. 
A primeira referência escrita à «Capela da Senhora dos Remédios» data de 16 de Abril de 1633, anotando um casamento ali celebrado entre Manuel Fernandes, da Galvã, e Catarina Rodrigues, da Penajóia. Mas, nessa altura, a Capela já era conhecida por este nome há muito tempo.


A devoção a Nossa Senhora dos Remédios foi tal que o templo que se tornara demasiado pequeno para a afluência que tinha. Daí que, a 14 de Fevereiro de 1750, tenha começado a construção do actual Santuário, inaugurado a 22 de Julho de 1761.


Era uma quarta-feira. Pelas cinco horas da manhã, o local estava completamente cheio. Foi precisamente a essa (matutina) hora que começou a celebração. O Bispo de Lamego, D. Feliciano de Nossa Senhora, não veio, tendo delegado a sua representação na pessoa do Cón. José Pinto Teixeira, Juiz da Irmandade. Foi este sacerdote, natural de Valdigem e residente na Rua da Olaria, o grande artífice da construção. Tendo sido eleito em 1748, desencadeou os trabalhos em de 1750.


Durou, por conseguinte, 11 anos a construção do corpo do nosso Santuário. Aliás, é o que mostra a inscrição que se encontra no centro da fachada. Diz tal inscrição «acabada [em] 1761». Só que este acabamento ainda não incluía as torres nem o recheio. O que foi inaugurado a 22 de Julho de 1761 foi mesmo o corpo do edifício: a nave, a capela-mor e a sacristia (que corresponde à actual Sala dos Retratos).


Pela descrição, ficamos a saber que se procedeu à «bênção por fora bem como por todo o seu âmbito e sacristia em volta». O ritual começou com uma procissão onde iam a Cruz e as tochas, bem como a caldeirinha com água benta e hissope. 


Durante o cerimonial, entoaram-se salmos, ladainhas e orações. Logo de seguida, Juiz da Irmandade celebrou a primeira Missa no Santuário, que «foi cantada» e assinalada com «vários repiques no sino».


Mas as celebrações não se ficaram por aqui. O ciclo festivo estendeu-se por mais uns dias, até ao dia de Nossa Senhora dos Remédios, que nesse tempo era a 5 de Agosto. [Só em 1778 é que passou para 8 de Setembro]. Na noite de sábado, 25 de Julho, a imagem de Nossa Senhora dos Remédios saiu em procissão. 


Esta teve início na Capela que havia no actual Largo dos Reis e que, sucedendo à primitiva Capela de Santo Estêvão, tinha sido inaugurada em Agosto de 1565. Além da imagem de Nossa Senhora dos Remédios, integraram a procissão as imagens de Santo Estêvão, de São Joaquim e de Santa Ana. A Padroeira foi transportada pelos irmãos da Confraria do Terço «num andor primorosamente armado». 


O cortejo dirigiu-se para a Igreja do Desterro. Os sacerdotes traziam sobrepeliz e os leigos levavam vestes brancas, com lanternas acesas e tochas. As orações e os cânticos da procissão foram acompanhados por repetidos toques dos sinos da Sé e do Convento de Santa Cruz. 


Os habitantes de Lamego verteram publicamente a sua alegria iluminando as janelas das suas casas com lamparinas. Dizem os anais que a cidade mais «parecia um céu estrelado na terra».


Na Igreja do Desterro, foram preparados quatro altares: um para Nossa Senhora dos Remédios, outro para São Joaquim, outro para Santa Ana e outro para Santo Estêvão. No Domingo, 26 de Julho, nessa mesma Igreja houve Missa cantada com sermão pelo Padre Manuel Caminha, do Convento de Santa Cruz. 


Pelas cinco horas da tarde, saiu uma longa — e muito solene — procissão com os andores das quatro imagens atrás indicadas e presidida pelo Cón. Manuel Pereira da Silva, comissário do Santo Ofício em Lamego. Participaram todas as Irmandades, com a Cruz da Irmandade de Nossa Senhora dos Remédios à frente. Seguia-se o andor de Santo Estêvão, o andor de Santa Ana, o andor de São Joaquim, o clero e — no meio do clero — o andor de Nossa Senhora dos Remédios, transportado por seis sacerdotes. 


Cada andor era acompanhado por duas tochas sendo o andor de Nossa Senhora dos Remédios acompanhado por quatro. Entoaram-se cânticos e salmos e, a concluir, via-se o pálio de seda branca, onde o referido Cón. Manuel Pereira da Silva levava o Santo Lenho. Atrás do pálio ia o Juiz da Irmandade, com a murça e o bastão. Muito foi o povo que se incorporou na procissão. O cortejo para o Santuário seguiu pela Corredoura, Rossio, Praça de Cima, Convento das Chagas (com pregação pelo Padre Manuel António da Purificação), Rua Nova, Almacave e Mazeda. 


A imagem de Nossa Senhora dos Remédios foi colocada num trono na segunda-feira, 27 de Julho. Este trono veio da Sé e aqui esteve cinco anos, até 1766, ano em que foi instalado o Altar-Mor. Na terça-feira, dia 28, começou a Novena que culminou com a Festa no dia 5 de Agosto, uma quarta-feira. 


A Festa teve início às cinco horas da manhã com a exposição do Santíssimo Sacramento no peito da imagem de Nossa Senhora. Este hábito de colocar o relicário com o Santíssimo Sacramento na imagem de Nossa Senhora permitia que quem olhasse para Maria também olhasse, no mesmo instante, para o Corpo sacramentado de Jesus. Fundia-se, deste modo, no mesmo gesto, o culto a Maria com a centralidade da Eucaristia. No entanto, tal costume de pôr o relicário no peito da Senhora foi suprimido, por decisão episcopal, a 7 de Agosto de 1865.


Segundo informações da época, o trono estava «bem guarnecido de lumes, tudo de cera nova, muito perto de noventa e mais». A Missa da Festa desse ano foi celebrada pelo Cón. Gonçalo Corte Real, Deão do Cabido, e o sermão esteve a cargo do Cón. Bernardo José de Carvalho. Era tanta a gente que o púlpito teve de ser colocado no exterior do Santuário.

Outros Apontamentos