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O Rosto de Lamego

Habitualmente, Lamego é associada a uma cor, evocada por um acontecimento e conhecida por um produto. Mas ela é reconhecida sobretudo por um rosto. 
A cor de Lamego é o verde: o verde que desce do Monte de Santo Estêvão e o verde que bordeja as avenidas. João de Araújo Correia, escultor de palavras com ressonâncias telúricas, anotou: «Lamego é uma cidade verde, feita de quietude e de silêncio». A quietude já não será a mesma. E o silêncio também vai sendo engolido pelo frenesim do ruído e pela turbulência da ansiedade. Não obstante, ainda se respira alguma serenidade nesta urbe desgastada pelos séculos, mas não vencida pelo tempo.


O acontecimento pode não ter ocorrido, mas nunca deixou de povoar a lembrança. As primeiras cortes de Portugal serão - para sempre - as Cortes de Lamego. Mesmo que tenha sido um evento irreal, este é um activo real, indelevelmente agregado à cidade.


A Lamego não faltam produtos de qualidade. É o caso da famosa bola e da deliciosa gastronomia. Mas o produto que mais avulta é, sem dúvida, o vinho. Ele até pode ser celebrizado como «Vinho do Porto», mas a sua produção expande o sabor do Douro inteiro. Em inúmeras mesas do planeta, a marca Lamego salta à vista e aconchega o paladar. Fecunda é a vinha que nos oferece este vinho. Seja tratado ou espumante, é um vinho sempre generoso. Porque generosa é a gente que desta vinha nos faz chegar este vinho.


Mas o que surge mais instintivamente acoplado a Lamego é um rosto. Para muitos, dizer Lamego é dizer Nossa Senhora dos Remédios. Trata-se praticamente de um epónimo. Não é possível dizer Lamego sem pensar em Nossa Senhora dos Remédios. Lamego é, essencialmente, da Senhora dos Remédios. 


A idiossincrasia de Lamego é inteiramente «remediana». Nossa Senhora dos Remédios é a «primeira Dama» de Lamego. É Ela que lhe dá fama. É Ela que mais gente para aqui chama. Em muitos dias, esta cidade parece um mar: não um mar de água, mas um mar de gente, um mar de luz, um mar de Mãe. Em Lamego, «todos os caminhos vão dar ao Santuário». Dir-se-ia que, entre a cidade e o Santuário, existe um namoro antigo que não conhecerá fim. 


Nossa Senhora dos Remédios é um nome que se ouve em toda a parte. O Santuário é uma casa que se avista de praticamente todo o lado. E a imagem é uma presença que se aloja em toda a gente. Ela não precisa de publicidade. Pelo contrário, é Ela que faz publicidade à própria cidade. Ela é a senhora da cidade, vista, por sua vez, como a cidade da Senhora. Nossa Senhora dos Remédios leva Lamego até ao mundo e traz gente de todo o mundo até Lamego. Só Ela dá universal nome a Lamego. Onde estiver uma imagem da Senhora, aí estará o nome da cidade. Ela é o rosto de Lamego. E o Seu rosto deixa rasto.

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